Consulta nº 135.643/20
Assunto: Sobre a nova redação do art. 77 do Código de Ética Médica quanto ao preenchimento de formulários às seguradoras.
Relatoras: Dra. Camila Kitazawa Cortez - OAB/SP 247.402 e Dra. Adriana Teixeira da Trindade Ferreira - OAB/SP 152.714 - Advogadas do Departamento Jurídico. Parecer subscrito pela Conselheira Maria Camila Lunardi, Diretora Secretária.
Ementa: Preenchimento de formulários de seguradora. Art. 77 do Código de Ética Médica. Vedação. Exceção no caso de expresso consentimento do representante legal.
Trata-se, em apertada síntese, de Consulta formulada pela Dra. E.C.V.B.M., no qual solicita parecer do CREMESP sobre a aplicação do Art. 77 do novo Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/18) no caso de o paciente solicitar e autorizar o preenchimento de formulários de seguradoras com informações de natureza não pericial.
PARECER
O Código de Ética Médica de 2009 (Resolução CFM nº 1.931/09), ao tratar do preenchimento de formulários de seguradoras estabelecia:
Capítulo IX
SIGILO PROFISSIONAL
É vedado ao médico:
Art. 77. Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito.
Com base neste dispositivo, e em razão das recorrentes dúvidas dos médicos sobre este assunto, o Conselho Federal de Medicina publicou a Resolução nº 2.003/12 vedando ao médico assistente o preenchimento de formulários elaborados por empresas seguradoras com informações acerca da assistência prestada a pacientes sob seus cuidados.
Os "considerandos" desta referida Resolução traziam as principais justificativas para esta vedação, a saber:
"CONSIDERANDO que o médico assistente não pode ser constrangido a preencher formulários, com quesitos próprios, de entidade com quem não tem qualquer relação profissional ou empregatícia;
CONSIDERANDO que o seu preenchimento constitui atividade médica pericial, não podendo ser exercida pelo médico assistente, conforme dispõe o art. 93 do CEM;
CONSIDERANDO que "viola a ética médica a entrega de prontuário de paciente internado à companhia seguradora responsável pelo reembolso das despesas", nos termos do decidido pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ no Resp nº 159527-RJ;".
A celeuma se instalou quando o Código de Ética Médica de 2018 trouxe a seguinte disposição:
Capítulo IX
SIGILO PROFISSIONAL
É vedado ao médico:
(...)
Art. 77 Prestar informações a empresas seguradoras sobre as circunstâncias da morte do paciente sob seus cuidados, além das contidas na declaração de óbito, salvo por expresso consentimento do seu representante legal. (sem grifos no original)
A inclusão da oração salvo por expresso consentimento do seu representante legal trouxe consequências, incluindo o aparente conflito de normas entre o art. 77 do novo CEM e a Resolução CFM nº 2.003/12 que versa: "Art. 1º - É vedado ao médico assistente o preenchimento de formulários elaborados por empresas seguradoras com informações acerca da assistência prestada a pacientes sob seus cuidados."
No entanto, é importante fazer a ressalva de que a expressão "representante legal" tem aplicação restrita.
A representação legal é aquela a quem a norma jurídica confere poderes ao pai e à mãe em relação ao filho menor (art. 1.690 do Código Civil), ao tutor (art. 1.728 do Código Civil) e ao curador (art. 1.767 do Código Civil) em relação ao incapaz. Ela existe no mundo jurídico para servir aos interesses do incapaz.
Sendo assim, filho ou pai, bem como esposa/marido ou companheiro de pessoa maior e capaz não estão enquadrados no conceito de representação legal.
No tocante ao termo "representante legal" que consta no referido dispositivo legal, considerando ser no presente caso um paciente falecido, é possível interpretar que se trata dos seus sucessores nos termos do que dispõe o Código Civil.
Com efeito, o art. 1.829 do Código Civil estabelece a ordem da vocação hereditária, verbis:
"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais."
Logo o representante legal do paciente falecido que consta no art. 77 do atual Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/18) será um dos indicados no art. 1.829 do Código Civil, observando-se a ordem prevista em tal dispositivo legal.
Superada esta discussão, considerando se tratar de um caso em que o representante legal consinta com o preenchimento do formulário da seguradora, conforme preconiza o art. 77 do Código de Ética Médica em sua parte final, devem ser inseridas somente informações periciais e jamais informações de natureza não pericial.
Processo Consulta nº 430/10-CFM (23/11)
(...)
Como se vê, existe o entendimento de que o preenchimento de formulários de companhias de seguros de vida é um ato médico diferente da ação de atestar relativa ao atendimento assistencial, direito este do paciente, conforme os dispositivos que estabelecem a obrigatoriedade de seu fornecimento.
Na legislação da Previdência Social e de acidentes de trânsito supracitadas para a concessão de benefícios, faz-se necessária a realização de exame médico-pericial, para verificação da condição de capacidade e nexo causal.
Esta máxima se extrai do Parecer CFM nº 23/11, em que o Conselho Federal de Medicina afirma de maneira expressa que o ato de preenchimento de formulários elaborados pelas companhias de seguro de vida constitui atividade médica pericial.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se, s.m.j., não obstante o art. 77 do Código de Ética Médica trazer a previsão de que mediante consentimento expresso do representante legal o médico está autorizado a preencher formulários de seguradora.
Esperando haver atingido os objetivos propostos submeto o presente parecer à apreciação da respectiva Câmara de Pareceres, colocando-me à inteira disposição para eventuais esclarecimentos que se fizerem necessários.
Este é o nosso parecer, s.m.j.
Conselheira Maria Camila Lunardi
APROVADO NA REUNIÃO DA CÂMARA DE CONSULTAS, REALIZADA EM 09.09.2021.
HOMOLOGADO NA 5.051ª REUNIÃO PLENÁRIA, REALIZADA EM 16.09.2021.
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