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A quebra das patentes dos medicamentos no Brasil


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Edição 34 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2006

DEBATE

A quebra das patentes dos medicamentos no Brasil


Da E p/ a D: Gabriel Tannus, Caio Rosenthal, Alexandre Grangeiro

Por que o Brasil não quebra
as patentes de medicamentos?

O licenciamento compulsório de medicamentos, que ficou conhecido no Brasil como “quebra de patentes”, é um tema polêmico que mobiliza técnicos, ativistas, organizações da sociedade civil e representantes da indústria farmacêutica. Apesar de estar previsto em tratados internacionais e na legislação brasileira, podendo ser decretado em nome do interesse público, o governo federal jamais lançou mão desta prerrogativa. Mas a ameaça da quebra de patentes já foi utilizada pelo Brasil para negociar preços com as multinacionais.

O debate ganhou forças diante da situação do programa brasileiro de combate à Aids, que viu ameaçada a sustentabilidade da política de acesso universal aos anti-retrovirais, devido ao elevado preço dos medicamentos patenteados. Além de argumentarem que o Brasil tem amparo legal e capacidade técnica comprovada para a produção de genéricos anti-Aids, os defensores da medida afirmam que haverá grande economia de recursos para o Sistema Único de Saúde. Já os laboratórios afirmam que, sem patentes, não haverá investimentos em novos medicamentos. Setores do governo, por sua vez, temem retaliações comerciais, sobretudo dos Estados Unidos, caso seja decretado o licenciamento.

Para discutir o tema, a revista Ser Médico reuniu Alexandre Grangeiro, Diretor do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, ex-coordenador do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde e Gabriel Tannus, presidente-executivo da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa). O debate foi coordenado pelo Conselheiro do Cremesp, o infectologista Caio Rosenthal.

Veja a seguir um resumo do encontro.

Caio Rosenthal:  Mais de um terço da população mundial, principalmente dos países em desenvolvimento, não tem acesso a medicamentos essenciais. Na opinião dos senhores, qual a relação dessa injustiça com o atual sistema de patentes?

Alexandre Grangeiro:  Até hoje o sistema de patentes não conseguiu promover aspectos fundamentais previstos no tratado internacional de propriedade intelectual (o Trips): transferência de tecnologia e, portanto, promoção do desenvolvimento igualitário entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos; o aumento da regulação para o consumo de medicamentos; o desenvolvimento científico; e a ampliação do acesso.

Gabriel Tannus:  Essa injustiça do acesso não depende, necessariamente, das patentes e ocorre também em outros setores, como o de alimentos. Não faz sentido dizer que o problema é das patentes quando 95% das drogas da lista de medicamentos da OMS não são patenteadas. Há, sim, no Terceiro Mundo, uma injusta distribuição de renda; deficiências de saneamento básico, de educação etc. Para essas não existe remédio.

Rosenthal:  Essa parcela de patenteados não representa justamente os medicamentos novos, mais modernos e, conseqüentemente, de melhor eficácia?

Tannus:  À medida que entram novos produtos, outros saem. A patente existe porque é necessário um investimento para descobrir ou inventar o produto. A indústria deve correr riscos e realizar testes para colocá-lo no mercado, o que leva de 8 a 10 anos. Depois, ela detém a patente por 20 anos, a partir do momento em que foi feito o depósito da patente.

Grangeiro:  O atual modelo de patentes é equivocado pois remunera quem desenvolve a droga por meio do monopólio do comércio. Isso impede a livre concorrência, o que possibilitaria que várias empresas pudessem oferecer o melhor medicamento pelo preço mais baixo.

Rosenthal:  Por que o setor farmacêutico não pesquisa drogas para combater as doenças prevalentes nas populações que habitam os países pobres, como a malária e a tuberculose?

Tannus:  As companhias buscam, em primeiro lugar, o retorno sobre o investimento. A demanda por soluções para as novas doenças é tanta que a indústria investe mais nesse ramo, de moléstias cardiovasculares, disfunção erétil etc. A indústria não abandonou as doenças antigas. Por outro lado, se fosse tão fácil descobrir remédios para essas áreas, todos os institutos do mundo que não estão ligados à indústria deveriam ter conseguido fazer mais por essas doenças.

Grangeiro:  Como o atual sistema de patentes inviabiliza a transferência de tecnologia, os países pobres não alcançam o desenvolvimento científico na produção de drogas para as doenças que mais os atingem. Ou criamos organismos internacionais mais representativos para regular esse processo ou revemos as leis e a política nacional de incentivo à produção e ao desenvolvimento científico.

Rosenthal:  No caso da Aids no Brasil, apenas quatro drogas patenteadas representam 65% do total de gastos públicos com anti-retroviaris. Se estamos diante de um interesse maior de saúde coletiva, o que está atrasando o licenciamento compulsório no Brasil?

Tannus:  Ninguém pode colocar em dúvida que o programa de Aids é fantástico, mas tem duas variáveis importantes. Começamos com 32 mil pacientes e, segundo os últimos dados, hoje são 170 mil. Quando esse modelo foi desenvolvido, a expectativa de vida era de 36 meses. Os últimos estudos mostram que os pacientes têm sobrevida acima de 100 meses. Então, há mais gente tomando por mais tempo o medicamento. Esse grupo consome 65% dos recursos do Ministério da Saúde destinados à compra dos anti-retrovirais, mas que tratam 70% dos pacientes. Ruim seria se eles representassem 65% para tratar 20% dos pacientes.

Grangeiro:  Dentro da perspectiva atual, não conseguiremos manter, por mais dois anos, a atual política de acesso aos medicamentos. Os gastos com medicamentos para tratar a Aids representam 3% do orçamento do Ministério da Saúde. Isso não é sustentável para uma única patologia, que atinge 0,6% da população brasileira adulta. Vamos sair de um gasto que em 2005 era de R$ 500 milhões, para R$ 800 milhões a R$ 1 bilhão, essa é a previsão do Ministério da Saúde para 2006. Aumentou o número de pacientes, mas o gasto se manteve estável, pois foi possível conseguir negociar um preço justo. O problema é que os preços atuais são inviáveis.

Rosenthal:  Por que o Brasil não quebrou nenhuma patente? Nós temos tecnologia para fabricar medicamentos anti-Aids?

Tannus:  Os argumentos ainda não foram suficientes para convencer quem tem de tomar a decisão dentro do governo. O Brasil tem tecnologia para fazer alguns produtos dos anti-retrovirais, sim. Algumas moléculas o país já tem condições, mas não são todas.

Grangeiro:  O Brasil não quebrou as patentes até hoje por falta de decisão política e por pressão internacional. Quando o presidente Lula assinou o decreto considerando os medicamentos Lopinavir/Ritonavir de interesse público, o Congresso Nacional dos EUA ameaçou o Brasil com sanções. O Brasil consegue desenvolver medicamentos de boa qualidade e colocá-los no mercado com segurança para o paciente.

Rosenthal:  Quando ameaçada pela quebra de patentes, a indústria reduziu o preço dos medicamentos no Brasil. Se existe essa “gordura”, o lucro não é exagerado? Por que não há uma política de preços mais justos para os países em desenvolvimento?

Tannus:  Depois dos países da África, o Brasil paga o menor preço do mundo em anti-retrovirais. O preço do medicamento está associado ao custo e a outros fatores. O custo, por sua vez, está relacionado ao volume de produção e ao estágio da tecnologia. Qualquer governo ou grande comprador tem de usar seu poder de barganha. Existe a possibilidade de negociação até o limite do possível.

Grangeiro:  O lucro da empresa farmacêutica é excessivo. A OMS defende uma política de preço diferenciado que deveria ser praticado conforme a capacidade de pagamento do país; um preço que garantisse o necessário para pagar a produção e o desenvolvimento. O preço na África hoje é menor porque lá se pode pagar menos do que aqui. Se o Brasil tiver uma política soberana e deixar claro que fará os licenciamentos compulsórios, as indústrias começarão a reduzir os preços.

Rosenthal:  E quanto à qualidade dos genéricos? O Brasil tem feito os testes de bioequivalência?

Tannus:  Uma companhia que afirmava ter condições de produzir genérico de medicamento de Aids teve um de seus produtos retirados do mercado por falsificação do resultado. Não adianta estar na mão de uma companhia que diz ter o produto, mas não tem. Os laboratórios nacionais, inclusive os públicos, não têm genéricos, só similares. Nem todos têm exames de bioequivalência e biodisponibilidade. Esses testes têm um custo alto. Além disso, por causa de uma “lei burra”, hoje todos os Laboratórios Oficiais são obrigados a comprar matéria prima por licitação. Isso prejudica o brasileiro, porque a compra é baseada em preço. Ele compra hoje do fornecedor A e amanhã do B. Se ele faz teste de bioequivalência com o produtor A e compra do produtor B, isso deixa de existir. Por que os laboratórios que fabricam similares não querem fazer o teste de bioequivalência? Porque quem quer fazer, tem certeza daquilo que está oferecendo. Quem não tem certeza não quer fazer. Para que correr o risco se ele consegue vender como similar?

Grangeiro:  A mortalidade por Aids no país está diminuindo e a qualidade de vida do paciente melhorando, portanto, os genéricos de oito medicamentos produzidos no Brasil têm qualidade. Não adianta difamar, dizer que há os “senões” para a questão da qualidade dos medicamentos produzidos pelas empresas estatais ou pelas indústrias nacionais. Mesmo porque, no caso de uma licença compulsória, pela legislação brasileira, a responsabilidade por transferir a tecnologia, supervisionar e capacitar é da detentora da patente. Quanto ao erro apontado na fabricação, isso demonstra a capacidade do governo em regular e fiscalizar de forma adequada, não é falta de capacidade tecnológica. Os medicamentos têm controle de produção do lote, o que garante ao Brasil a capacidade para conhecer a qualidade desses medicamentos. O sistema de pré-qualificação da OMS também tem demonstrado que os genéricos anti-Aids consumidos no Brasil têm qualidade.

Rosenthal:  Segundo o Programa Nacional de Aids, se três medicamentos - o lopinavir, o tenofovir e o efavirenz – tivessem suas patentes quebradas, já no primeiro ano o programa de distribuição de medicamentos anti-HIV economizaria mais de R$ 200 milhões, que poderiam ser aplicados em pesquisas, na melhoria da assistência etc...

Tannus:  O Programa está se baseando em números teóricos; se eu tenho 100 funcionários e cortar o salário deles pela metade, vou ter dinheiro para gastar em outras coisas.

Grangeiro:  Os 200 milhões de reais economizados praticamente dobrariam a capacidade de assistência dos Estados e municípios. Só com projetos de ONGs, o Ministério da Saúde gasta de R$ 20 a 30 milhões, daria para ampliar em quase 10 vezes o número de projetos de prevenção.

Rosenthal:  Cerca de 72% da produção de medicamentos são dirigidos aos países europeus e da América do Norte, 1% é distribuído aos países da África. A questão ética principal neste momento é como preservar as vidas das pessoas. Vou pedir aos senhores as considerações finais a respeito das patentes e do acesso a medicamentos no Brasil e no mundo.

Grangeiro:  A questão do acesso a medicamentos no Brasil é extremamente séria, a maior parte da população brasileira não tem acesso a eles. Dados de pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Secretaria de Saúde – Conass – demonstram que 50% das pessoas que deixam de tomar medicamentos, interrompem o tratamento por falta de recursos. A assistência farmacêutica é um dos grandes desafios do sistema de saúde, é o que tem menor cobertura de todas as matérias de saúde. E um dos grandes impedimentos é o financiamento. O sistema de patentes em vigor coloca problemas adicionais ao país neste campo.

Tannus:  O acesso aos medicamentos é um problema sério, a indústria tem consciência, é o maior desafio que temos. Mas é um problema que a indústria não vai resolver sozinha. A colocação de que patentes provocam esse desequilíbrio não é verdadeira. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Aplicadas), 23 milhões de brasileiros não têm acesso a medicamentos, nem a comida, roupas, nem à cidadania. O problema não está relacionado a remédios, e, sim, à renda. O Brasil não é um país pobre, é um país injusto.


Alexandre Grangeiro é diretor do Instituto de Saúde da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, ex-coordenador do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde
Caio Rosenthal
é infectologista do Hospital Emílio Ribas e conselheiro do Cremesp
Gabriel Tannus
é presidente-executivo da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa)


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