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CAPA

PONTO DE PARTIDA (SM pág.1)
Editorial de Henrique Carlos Gonçalves aborda conflito de interesses da propaganda na Medicina


ENTREVISTA (SM pág. 4)
Fernando Reinach, premiado pesquisador, fala sobre biodiversidade em entrevista à SM


CRÔNICA (SM pág. 8)
Ignácio de Loyola Brandão descreve - com humor - a visita do médico para uma consulta doméstica...


SINTONIA (SM pág. 10)
A história da evolução do planeta está nas "mãos" dos micro-organismos, segundo o médico infectologista Stefan Ujvari


SOCIAL (SM pág. 15)
O esporte abre as portas para a cidadania e a dignidade de várias crianças e adolescentes carentes da Fundação Casa


CONJUNTURA (SM pág. 18)
Crianças obesas apresentam maiores riscos do excesso de peso também na vida adulta


DEBATE (SM pág. 21)
Paulo Seixas (SES) e Renato Antunes (Ameresp) discutem o papel da Residência Médica no país


SAÚDE (SM pág. 28)
O setor de saúde francês, público e privado, no atendimento da população e no exercício da Medicina


HISTÓRIA (SM pág. 31)
Embora tenha deixado de ser ditadura há quase três décadas, o Brasil não deve esquecer os horrores da época


CULTURA (SM pág. 36)
Doenças e sofrimento moldaram o conjunto da obra do pintor norueguês Edward Munch


HOBBY (SM pág. 40)
As telas do cirurgião Rubens Coelho Machado mostram todo seu talento e paixão também na arte do pincel


TURISMO (SM pág. 43)
Convidamos você a dar uma volta fantástica ao passado, viajando conosco ao sudeste asiático


CARTAS (SM pág. 47)
Acompanhe os comentários dos leitores sobre a edição anterior da Ser Médico


POESIA
Texto de Luís Vaz de Camões encerra esta edição da SM com emoção e realismo


GALERIA DE FOTOS


Edição 47 - Abril/Maio/Junho de 2009

SINTONIA (SM pág. 10)

A história da evolução do planeta está nas "mãos" dos micro-organismos, segundo o médico infectologista Stefan Ujvari

Os vírus como testemunhas


Ilustração de células do sangue e vírus

DNA e RNA de micro-organismos ajudam a contar e esclarecer a história da evolução do planeta. Estudo de material pode dar origem à uma nova disciplina científica que une Genética, História e Arqueologia

Por Stefan Cunha Ujvari*

A história humana sempre foi contada por livros, manuscritos e análises de sítios arqueológicos. A do planeta, esmiuçada pelo estudo de fósseis, rochas, montanhas, análise de gelo etc. A novidade é que ambas as histórias estão ocultas no DNA e RNA de micro-organismos. Seus materiais genéticos relatam tanto a história da evolução como a do planeta. Afinal, os micro-organismos são testemunhas nascidas há mais de três bilhões de anos.

A Rickettsia, responsável pelo tifo e febre maculosa brasileira, apresenta semelhança metabólica com nossas mitocôndrias. A sequência de seu DNA é quase idêntica a do nosso DNA mitocondrial. Conclusão: ambos se originaram de micro-organismo ancestral comum. Há bilhões de anos esse ancestral necessitava invadir outros micro-organismos para se reproduzir. O invasor era aceito por sua vantagem em produzir energia através do oxigênio. Tratava-se de uma simbiose. Com o tempo, esse intruso tornou-se parte das células invadidas e originou as mitocôndrias. Seus parentes ancestrais, que permaneceram no meio, evoluíram para originar as Rickettsias atuais, que também necessitam invadir nossas células para multiplicação, ocasionando a doença.

O genoma humano apresenta sequências genéticas semelhantes aos retrovírus. São chamados retrovírus endógenos (ERVs). Os retrovírus invadiram animais ancestrais ao Homo sapiens e incrustaram seu material genético nas células germinativas. Ou seja, animais descendentes evoluíram com fragmentos de DNA viral em seu material genético. Os ERVs  são apenas fósseis de infecções passadas no DNA humano que não causam doenças infecciosas atualmente.


Coleta de material para estudo - "arqueologia genética"?

Há diferentes tipos de ERVs e sua distribuição nos animais mostra a evolução dos primatas. ERVs presentes no homem e ausentes nos chimpanzés mostram que infectaram ancestrais humanos após a separação dos chimpanzés. Há ERVs  presentes no homem, chimpanzés e gorilas, mas ausentes no orangotango. Conclusão: infectaram o animal ancestral comum aos três primeiros primatas, após a separação do ramo evolucionário dos orangotangos. Ao isolarmos os ERVs presentes em primatas,  construímos sua sequência evolucionária.

Tudo indica que os ERVs foram fundamentais no surgimento dos animais placentários. Na gestação humana, a ativação do gene do ERV-W produz uma proteína responsável pela fusão celular e formação da placenta. No passado, talvez esse gene comandasse a aderência e fusão do vírus às células do hospedeiro para invasão viral.

Foi encontrado no Chade, na África Central, o fóssil próximo ao animal ancestral comum do homem e do chimpanzé. Há sete milhões de anos, surgiu o primeiro hominíneo com capacidade de andar ereto. Sabemos quais infecções o acompanharam. Micro-organismos geneticamente semelhantes nos chipanzés e nos humanos mostram que evoluíram desde o animal ancestral comum a ambos. Nossos ancestrais e os dos chimpanzés evoluíram com seus micro-organismos em mutação. Dessa forma, macacos apresentam vírus geneticamente semelhantes aos nossos vírus da herpes simples, mononucleose, varicela, citomegalovírus e papiloma vírus humano (HPV). O primeiro hominíneo portava esses vírus, que saltaram aos diversos bípedes que surgiram depois e se extinguiram, até atingirem o Homo sapiens.

Os hominíneos ancestrais adquiriram infecções no solo africano. O DNA das tênias humanas assemelha-se ao das tênias de carnívoros africanos, como o chacal, o leão, o guepardo, a hiena e cachorro selvagem. Isso mostra que nossas tênias se originaram em solo africano. Além disso, o acúmulo de mutações situa a tênia ancestral humana há mais de um milhão de anos. Nessa época, o Homo erectus se infectou e passou o parasita aos seguintes hominíneos, até chegar ao Homo sapiens. Portanto, não podemos culpar porcos e bovinos pela origem da doença.

Mutações no DNA de bactérias da tuberculose isoladas em Djibuti, nordeste da África, também mostram sua origem há mais de um milhão de anos. O Homo erectus já se infectava pela tuberculose. O DNA desmentiu a idéia de que adquirimos a tuberculose da mutação da M. bovis do gado domesticado. Aliás, as sequências do DNA mostram que a M. bovis surgiu depois das bactérias da tuberculose humana.

Há cerca de 100 mil anos, o Homo sapiens deixou a África para colonizar o planeta. Nossa rota migratória pode ser contada pelo DNA do Helicobacter pylori e do HPV. Carregamos esses agentes infecciosos em nossos corpos e os transferimos aos nossos descendentes. As mutações desses micro-organismos em povos nativos mostram o caminho percorrido. O H. pylori e HPV presentes em nativos americanos se originaram daqueles dos povos do Leste Asiático. Estes últimos, e os da Oceania, se originaram dos presentes no Oriente Médio que, por sua vez, juntamente com os europeus, evoluíram dos africanos. A rota percorrida por estes agentes é a mesma do homem moderno ao sair da África.

O DNA de nosso piolho revela um provável encontro. Ele assemelha-se geneticamente ao do chimpanzé. Nosso primeiro hominíneo nasceu com o parasita que chegaria ao homem moderno. Porém, encontramos um outro piolho geneticamente diferente no homem. Este se isolou há um milhão de anos para sofrer mutações que o diferenciaram. O Homo erectus carregou-o para fora da África. Porém, esse piolho retornou ao homem. A explicação: o Homo sapiens encontrou-se com Homo erectus na Ásia, hipótese que vem sendo aceita cientificamente. As mutações que originaram piolhos do corpo coincidem com o início do uso de vestimentas pelo homem. Podemos calcular essa época há dezenas de milhares de anos.


Domesticação e mutação: varíola pode ter origem em vírus de camelo

A presença de parasitas em fezes fossilizadas de índios revela a rota de entrada dos primeiros americanos. Encontramos fósseis de parasitas que dependem de solo quente e úmido para eclosão das larvas. Condição climática impossível, caso a rota de entrada fosse exclusivamente pelo estreito de Bering formado pelas Eras Glaciais. Ou seja: viemos também por embarcações litorâneas.

Sabemos que os primeiros americanos se infectaram com a doença de Chagas. O DNA do T. cruzi mostra parentesco com o do tripanossoma da doença do sono africana. Ambos se originaram de um parasita ancestral que viveu na época que os continentes estavam unidos. A separação da África e América fez o ancestral sofrer mutações em cada lado do Atlântico para originar ambas as doenças.

Bactérias presentes em lesões cutâneas de índios da Guiana mostram semelhança genética com a bactéria da sífilis. O que sugere um elo perdido na origem da doença. E o que comprova a origem da sífilis em solo americano através de mutações bacterianas.

A agricultura nasceu há cerca de 10 mil anos. Os DNAs dos parasitas da malária e da esquistossomose mostram que ambas as doenças eclodiram nessa mesma época. As represas, os canais de irrigação e o sedentarismo colaboraram para a proliferação de mosquitos e caramujos transmissores das doenças.

A malária contribuiu para selecionar genes humanos protetores da doença. Surgiu, assim,  a seleção natural para talassemia, anemia falciforme, deficiência de G6PD e grupo sanguíneo tipo O.


Cena de cultivo no Egito Antigo - malária e esquistossomose eclodiram com o surgimento da agricultura (Foto: Ministerio de Educación, Politica Social y Deporte Español)

O material genético também mostra vírus semelhantes em humanos e animais. A domesticação dos animais nos trouxe vírus que, após mutações, originaram doenças humanas. O da varíola originou-se do vírus do camelo ou de roedores que habitavam as imediações das primeiras vilas. O do sarampo veio do da peste bovina. Descobrimos a origem de doenças recentes pela comparação do material genético. A  Aids está associada  a vírus presentes nos chimpanzés do Gabão, Camarões e do Congo. Macacos do Sudeste Asiático albergam vírus semelhantes aos da dengue. A invasão humana nessas matas originou a doença, há cerca de mil anos.

Esses exemplos resumidos evidenciam como o estudo do material genético de micro-organismos corrobora alguns conhecimentos da história humana e geográfica do planeta. Além disso, preenchem lacunas da história e auxiliam na construção do conhecimento humano do passado. Fragmentos de DNA bacteriano, encontrados em polpa dentária de vítimas acometidas por determinadas doenças, esclarecem as causas de algumas epidemias passadas. Assim, sabemos que a febre tifóide causou a Peste de Atenas, no século 5 a.C.; e que o tifo acometeu o exército de Napoleão. Talvez estejamos  testemunhando o nascimento de uma nova disciplina científica que une a genética à história e à arqueologia. O futuro dirá o seu nome, quem sabe “arqueologia genética”. 




Ujvari é infectologista, autor do livro A história da humanidade contada pelos vírus, Editora Contexto, 2008


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