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CAPA

PONTO DE PARTIDA (PÁG.1)
Reflexões sobre temas desafiadores e essenciais


ENTREVISTA (PÁG. 4)
Regina Parizi "As mulheres precisam aceitar mais desafios"


CRÔNICA (PÁG. 10)
Não estou a seu serviço


VANGUARDA (PÁG.12)
Novos avanços no tratamento do câncer


CONJUNTURA (PÁG.16)
A escravidão não acabou


DEBATE (PÁG.20)
Somos o país mais corrupto do mundo?


SINTONIA (PÁG.26)
A doença como metáfora


HOBBY (PÁG. 30)
Todas as cores do mar


GIRAMUNDO (PÁG.34)
Arte, genética e ciência


PONTO COM (PÁG.36)
-


CULTURA (PÁG. 38)
Kobra, muralista internacionalmente reconhecido, começou fazendo grafites


TURISMO (PÁG. 42)
Santiago de Compostela


CARTAS E NOTAS ( PÁG. 46)
-


MÉDICOS QUE ESCREVEM (PÁG. 47)
Retrato da vida


FOTOPOESIA (PÁG. 48)
Em tudo nela brilha e queima


GALERIA DE FOTOS


Edição 82 - Janeiro/Fevereiro/Março de 2018

ENTREVISTA (PÁG. 4)

Regina Parizi "As mulheres precisam aceitar mais desafios"

Regina Parizi

"As mulheres precisam aceitar mais desafios"
 

Fátima Barbosa

 

Após um boom durante o qual as mulheres foram protagonistas de diversos avanços, vem ocorrendo uma quase estagnação da participação feminina, da metade dos anos 2000 para cá, principalmente na ocupação de cargos de maior responsabilidade, tanto no setor público como no privado. Para tentar romper as barreiras ainda existentes no mercado de trabalho e na vida política, no Brasil e no mundo, as mulheres precisam investir em políticas, apontar e aceitar mais desafios. É a opinião de Regina Parizi Carvalho, a primeira e única mulher a presidir o Cremesp em seus 60 anos de existência, durante dois períodos, de 1993 a 1995, e de 2000 a 2003.

Formada em Medicina pela Universidade Federal de Uberlândia, com mestrado em Saúde Pública, pela Universidade de São Paulo (USP), e doutorado em Bioética, pela Universidade de Brasília/Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), ela analisa, também, nesta entrevista à Ser Médico, a feminização da Medicina e a resistência das médicas em relação a algumas especialidades mais invasivas.

Casada com o médico ginecologista Eurípedes Balsanufo Carvalho e mãe de dois filhos, Regina também foi vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), de 1994 a 1999, e presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, em dois períodos, de 2013 a 2015 e de 2015 a 2017. A Bioética, ressalta, ensinou-lhe a saber compor. “Ela é um exercício contínuo de como podemos atender as diferentes opiniões, exigindo mais refinamento, respeito e sentimento democrático”. Atualmente, é médica do Centro de Desenvolvimento de Ensino e Pesquisa do Instituto de Assistência Médica do Servidor Público Estadual (Iamspe) e membro do Conselho Científico da Sociedade Brasileira de Bioética e do Conselho Consultivo da Rede Latinoamericana e Caribenha de Bioética da Unesco. 

Ser MédicoA senhora foi a primeira e única mulher a presidir o Cremesp até o momento. O que essa experiência significou para a senhora, para o Conselho e para as mulheres?
Regina Parizi – Na época, teve uma repercussão bastante importante junto à sociedade. Precisamos lembrar que o Brasil estava em um momento de transição e de muitas mudanças, não apenas em relação à Medicina, à Saúde e aos médicos. Tínhamos saído há pouco tempo de uma ditadura. Havia uma nova
Constituição, prevendo mais direitos das mulheres. O Brasil todo estava em discussão porque, devido ao período ditatorial, tínhamos um atraso técnico, tecnológico, científico e ético enorme em relação à parte desenvolvida do mundo, que se refletia em várias áreas: política de mulheres, saúde, educação, legislação, regulamentação, entre outras. Com a nova Constituição, houve um boom de questões políticas e participação em várias áreas. Acho que essa conjuntura favoreceu a participação das mulheres, e a minha, em particular. O País havia ficado parado no tempo. Por isso, a mídia repercutiu muito, por achar importante uma mulher assumir a presidência de uma entidade médica relevante como o Cremesp. Penso que isso teve também um significado grande para as colegas médicas. Embora naquele período, início da década de 90, já tivéssemos um crescimento significativo e importante das mulheres na área da saúde, na Medicina, em especial, ela ainda era modesta, em torno de 30%. Diferentemente de hoje, em que a profissão médica está bastante feminizada. Os colegas também aceitaram muito positivamente. Para mim, obviamente, foi algo importante, e esperava que a participação feminina nas entidades médicas aumentasse.

Fotos: Osmar Bustos

"A melhoria na formação não repercutiu em aumento de salário e em cargos de mais responsabilidade"

SerPor que as mulheres não têm aumentado sua participação e ocupado mais cargos em alguns setores da sociedade?
Regina – É uma pena, mas é um fenômeno mundial e não apenas no Brasil. Quando observamos a situação das mulheres no mundo, vemos que houve um crescimento importante, principalmente na década de 80, com o incentivo, inclusive, da Unesco e suas conferências de mulheres. Na década de 90, a participação das mulheres no mercado de trabalho continuou aumentando e elas foram melhorando sua formação. Porém, da metade da década de 2000 para cá, começamos a perceber algumas dificuldades em escala mundial. Isso aconteceu mesmo nos países escandinavos, Dinamarca, Suécia, Noruega e Finlândia – referências na elaboração de políticas afirmativas para a inserção da mulher no mercado de trabalho, nos cargos públicos e políticos. As mulheres continuaram melhorando sua formação e aumentando o número de anos de estudos. Porém, isso não repercutiu em aumento de salário e no número de cargos de maior responsabilidade. Esse processo de não conseguir superar alguns obstáculos é muito discutido. São preconceitos mais sofisticados, decorrentes de um âmbito complexo que é o intradomiciliar, o cuidar da família e da carreira ao mesmo tempo.

Ser Como superar esses obstáculos?
Regina – Os dinamarqueses, que estudam muito essa questão, não têm uma única conclusão. Nas conferências de mulheres, esses dados aparecem e se dá atenção a eles. Tanto que, no ano passado, a Unesco fez uma campanha dizendo que as mulheres tinham de ganhar fôlego, que elas não podem ficar esperando os outros darem espaço. Sei que não é fácil. Tive de aceitar muitos desafios, criar os filhos, fazer pós-graduação, doutorado, trabalhar como médica, participar de entidades... É muito sacrificante, desafiador e uma sobrecarga enorme, porque acumulamos, ainda, as responsabilidades da maternidade e da casa. Mas elas precisam aceitar esses desafios para tentar romper as barreiras. Os homens são mais objetivos em indicar um ao outro para postos de chefia, e seus salários são mais valorizados. As mulheres são menos competitivas em determinadas coisas. Isso ocorre também na carreira médica. Elas não aceitam, por exemplo, deixar a família ou trabalhar em lugares de difícil acesso, mesmo que o salário seja mais alto. Precisamos fazer uma discussão sobre algumas questões decorrentes da feminização da profissão. Um grande desafio é que as mulheres não querem determinadas áreas e especialidades, geralmente as mais invasivas, que as expõem a maior estresse e exigem maior gestão de equipe, no tratamento e acompanhamento do paciente, como cirurgia e ortopedia. Como resolver isso quando a profissão for majoritariamente feminina? Na Sociedade de Bioética discutimos isso. Vamos ter de analisar como resolver essa questão. A Medicina é uma profissão muito disputada e exigente. Porém, as mulheres precisam aceitar esses desafios, ir para outras áreas, não só no exercício profissional, mas também na ocupação de cargos públicos e políticos, e exigir da sociedade e do Estado políticas afirmativas de apoio; disputar e se colocar no mercado de trabalho em condições de igualdade, não aceitando receber menos. Dentro da área da Saúde, temos uma contribuição muito importante na relação com o paciente, como a questão do acolhimento e a qualidade da atenção... Vários dados mostram que os pacientes cuidados por médicas têm menos reinternação e saem com alta mais orientada, porque temos esse perfil de cuidadoras. 

Ser Por que, na sua opinião, está ocorrendo a feminização da Medicina?
Regina – Devido a algumas questões como o aumento de anos de estudo da mulher, qualificando-se para o mercado de trabalho. Isto ocorre não só na Medicina, mas também em outras áreas da educação, pesquisa e desenvolvimento científico. Na Medicina, em particular, como disse, o perfil cuidador das mulheres influencia a feminização. Outras áreas da Saúde, como Psicologia, Nutrição, Fisioterapia etc., já estão praticamente dominadas pelas mulheres. São áreas que exigem uma qualificação grande e longa, de muito estudo, e elas têm se dedicado mais nesse quesito. Os homens querem cursos mais curtos, mais tecnológicos, e que lhes permitam começar a ganhar mais rápido. Além disso, a feminização faz parte da realidade demográfica. Há cada vez mais mulheres que homens no mundo. Elas terão de assumir vários postos em áreas diferentes, até porque são maioria.

SerEmbora o número de médicas seja cada vez maior, os salários delas ainda estão abaixo dos pagos aos médicos...
Regina – É importante destacar que não é só salário. As mulheres ocupam pouquíssimos espaços, como cargos de chefia, embora sejam maioria. Isso ocorre na universidade, nos governos etc. Não dá para dizer apenas que o perfil delas seja menos competitivo e menos agressivo. Sabemos que o fato de assumir múltiplas tarefas faz com que se desconcentrem em relação a isso. Esta questão é tão clara que vários países, e a própria Unesco, recomendam políticas afirmativas, que aqui no Brasil são criticadas por muita gente, mas estão sendo implementadas em todos os países desenvolvidos. Elas incluem um número x de cargos para as mulheres nas empresas, públicas ou privadas, no parlamento etc; os homens são incentivados a assumir as tarefas domésticas, há licença maternidade e paternidade, eles assumem os cuidados domésticos para elas terminarem uma pós-graduação, mestrado ou doutorado... Na Islândia, por exemplo, foi aprovada, em 3 de janeiro deste ano, uma lei proibindo diferenças salariais entre mulheres e homens, para trabalhos com as mesmas características de currículos, jornadas etc. Não é paternalismo. É que, sem isso, elas não vão se dispor a ser mais competitivas e a compartilhar o cuidado dos filhos, para ganhar mil euros, dólares ou reais a mais. Mas essas diferenças não são boas para a sociedade. A ocupação de cargos majoritariamente pelos homens não preenche determinados atributos para cuidar da população, como as mulheres podem fazer. Na Medicina, em particular, isso é ainda mais importante, porque as médicas são lideranças intelectuais. São pessoas que estudaram muito e tiveram o privilégio de fazer uma faculdade disputadíssima, um curso complexo e sofisticado. Elas podem apontar essas questões não só dentro da própria categoria, mas para a sociedade e para as mulheres de forma geral. Embora essa participação seja sacrificante, é muito gratificante. Você vê que ajudou a contribuir com o avanço das mulheres e com a sociedade.

 

"É preciso ter compromisso com a sociedade e com a humanidade"

SerComo a senhora avalia a Medicina e a Saúde, desde quando começou a participar do movimento médico até agora?
Regina – A Medicina e a Saúde tiveram avanços importantes, da década de 90 para cá, do ponto de vista técnico, científico e ético. Sinto-me privilegiada por ter participado da construção desse processo no Brasil, particularmente na área da saúde, seja pública ou privada. Acho que foi muito importante o trabalho que o Cremesp fez – por meio da revista Ser Médico – Especial 60 anos e do livro Cremesp 60 anos – Valores, atitudes e desafios – de recuperação de sua história. Fiquei feliz de ver quantas coisas fizemos, como a construção do SUS, política de mulheres, de transplantes, regulamentação dos planos de saúde, que estavam em uma situação de caos; regulamentação sobre a morte encefálica, dos prontos-socorros, defesa do consumidor, na área de ética em pesquisa, na elaboração dos conteúdos curriculares e políticas de criação de escolas médicas no país, assim como no combate à violência, à tortura etc. O Cremesp teve também uma participação importantíssima na elaboração e efetivação de muitas iniciativas que achávamos fundamentais para a sociedade se empoderar e ter seus direitos garantidos nos serviços de saúde pública ou privada. Atualmente, estamos em outro patamar de discussão, a da questão da globalização, da centralização do mercado e da sobreposição da questão financeira em relação a todos esses processos, além do retorno de posições preconceituosas e intolerantes, que, na Saúde, e na Medicina, em particular, nos afasta da sociedade. Temos de resistir mais uma vez e lutar, pois não é possível deixarmos o Brasil voltar a ser um país atrasado como era. Disputa de lugar, de poder, de espaço sempre vai ter, mas retroceder, deteriorar um país da magnitude do Brasil por conta disso é um absurdo. Essa discussão menor tem de acabar. É preciso ter compromisso com a sociedade e com a humanidade.

SerA senhora foi também presidente da Sociedade Brasileira de Bioética. Como foi essa experiência? Qual a importância da Bioética para a Medicina e a sociedade em geral?
Regina – Também foi um momento muito importante e desafiador porque, como disse, estamos em um momento de muitos debates e disputas de opiniões, de poder e de espaço, mas de pouca proposta e construção de conhecimento e sabedoria. Não adianta achar que todos pensam de um só jeito. De meados da década de 80 para cá, percebeu-se, com a globalização, que o mundo não era apenas os Estados Unidos e a Rússia, e seus respectivos aliados, como ocorria desde o final da Segunda Guerra Mundial. Ele é multifacetado e complexo. A Bioética é muito interessante também por isso, pois é uma das áreas que mais contribuíram para se enxergar essa realidade. As instituições multilaterais, como a Unesco, tiveram um papel muito importante, também, ao reunir os diferentes países do mundo e começar a falar: o mundo é plural e tem uma variedade de opiniões. Cabe a nós construirmos metodologias e posturas para conseguir atender pelo menos uma boa parcela desses países. E o Brasil está nesse processo. Não adianta dizerem: “Aqui devemos privatizar tudo”. Não pode ser assim. Uma população, cuja maioria é carente, precisa de políticas públicas, de apoio etc. E temos também uma parte da população que tem a cultura liberal e financista, e necessita se compor e ter formas de fazer esse debate, essa inclusão. Isto é necessário não apenas na Saúde, mas em todas as áreas. Na Saúde, a complexidade aparece todos os dias. Por exemplo, tem o paciente em estado terminal, que quer todo o arsenal médico e tecnológico, mesmo que sofra e prolongue o sofrimento, enquanto outro no mesmo estado quer só um tratamento paliativo e ponto. As opiniões são complexas e divergentes. Mas a divergência pode não ser contra a outra opinião, proposta ou política, mas dizer que ela não me atende da mesma forma que atende você e, por isso, temos de saber compor. Isso, talvez, tenha sido o maior ganho que tive dentro da Sociedade de Bioética. No Conselho profissional, como o Cremesp, você tem de regular. Não tem jeito, tem de ser para a maioria: julga, abre processo, faz isso ou aquilo, ou tem de mudar a regulamentação. A Bioética é diferente, é um exercício contínuo de como podemos atender as diferentes opiniões. Ela exige muito mais refinamento, respeito e sentimento democrático. Te ensina a dizer: eu jamais faria isso, mas respeito sua opinião. Não é uma área fácil, tanto que não cresce na rapidez que as outras, pois exige realmente muita reflexão, amadurecimento e respeito.

SerE qual mensagem a senhora deixa sobre os 60 anos do Cremesp?
Regina – O Cremesp é uma instituição que, em seus 60 anos, sempre se superou em relação a sua missão institucional. Sua história mostra que é uma entidade que foi além do debate e da luta dos interesses corporativos, e que procurou contribuir de forma ampla com a sociedade, não só discutindo as questões médicas, a assistência etc., mas também as políticas de saúde, a qualidade de vida e os temas éticos e morais. Espero que o Cremesp continue sendo essa entidade de vanguarda e de referência para a sociedade, como sempre foi.
 


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